15.8.08

Crueldade

A esposa santinha moralista tinha uma amiga que era seu oposto.

Um olhar fino que contemplava o mundo à procura só de prazer. Sensual em cada movimento com uma presença sempre lasciva. E havia algo entre nós. Nos olhávamos em segredo, como quem mira uma barra de chocolate proibida. A esposa inocente não percebia nada ou talvez não quisesse acreditar.

Nos aproximávamos a cada dia, conversando sobre as mais diversas futilidades, contando histórias, partilhando desejos. Nos tornamos mais íntimos. E o que é cruel, à procura de cúmplices, se alimenta do que é íntimo.

Numa noite de primavera, ela dormiu em nossa casa.

O quarto era pequeno e abafado, com uma janela, já fechada, para a lavanderia. Entrei quieto e me deitei no escuro. Sem palavras, naturalmente, a bunda dela se encaixou em mim. A sintonia, o toque da pele, o prazer do desejo livre. Tudo nela era melhor do que a minha esposa. Ela era melhor que a minha esposa. E quando declarei isso, explodimos num frenesi de tesão.

Dos ódios guardados contra a  santa sem maldade - que erguia a moral frente ao nosso desejo incorreto - veio um coito de prazer cruel, de cumplicidade entre demônios vingativos. A penetração era forte e sentíamos em todos os cantos o cheiro da traída, fazíamos tudo sobre os lençóis dela. Eu sussurrava as desvantagens da esposa, narrava seus defeitos e fraquezas mais íntimas. Nós ríamos. Um riso baixo de penetração e segredo. Um riso maligno.

E foi aí que ouvimos a voz dela na lavanderia, alheia, falando ao telefone. Apenas uma janela de madeira nos separava e nem por um segundo titubeamos, sequer diminuímos nosso ritmo. Mais forte e mais felizes, nos devoramos frenéticos. Com os ouvidos apontados para a conversa fútil da esposa sonsa que pendurava minhas roupas no varal, nos sentimos ainda mais próximos, rindo da humilhação que a fazíamos passar. Com cara de deboche e tesão, a melhor amiga moveu os lábios para chamar, sem som, a santa de idiota. Gargalhamos por dentro, eu gozei nela e sorrimos, sujos.

4 comentários:

Raisa. disse...

A violência tem a ver com a velocidade. E o mundo hoje nos implora violência, nos obriga e nos sempre cedemos.

Pedro Ivo disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Pedro Ivo disse...

Interessante a narrativa, gostei bastante das imagens que a escrita do texto faz despertar na mente do leitor (a minha, digo). Entretanto, apesar da boa qualidade do conteúdo do enredo, continuar outro parágrafo após "sujos" quebrou demais, na minha opinião, o caráter impactante que o texto traz em si e que finaliza com chave de ouro com essa última palavra. "Sujos": aqui é o ponto em que o leitor fala "caralhooooo, que texto massa!"
Pense nisso...

;o)

Ro Manne disse...

Considerado e editado. Pedro tinha razão. A última frase era justamente minha fuga dessa sujeira toda.

Sem ela, o texto fica mais assumido. Abraço pro pedro.