27.1.12

A caminho do fascismo canarinho

Aqui havia o índio. Quando chegaram os europeus, trataram logo de matar e estuprar aquele povo que consideravam sem alma e vagabundo. Nascia o primeiro preconceito de que temos notícia nessas terras. O bugre, vagabundo e imprestável, depois de dizimado, foi relegado ao esquecimento.

Ávidos, os civilizados portugueses passaram a trazer para cá homens africanos. Vagabundos e sem alma, mas muito resistentes, fora escravizados, estuprados e humilhados. Esses crioulos, macacos, escurinhos, tições, serviram por séculos ao enriquecimento da coroa portuguesa que enriquecia a coroa inglesa que decidiu, lá no século dezenove, era hora de acabar a escravidão.

Liberto, o povo de cabelo ruim foi expulso aos montes da lavoura e acabaram nas cidades. Esses novos vagabundos - que já tínhamos esquecidos os índios, tão poucos agora -, sem trabalho, desocupados, acabaram nos entornos urbanos, escurecendo até hoje a paisagem das grandes cidades.

Trouxemos então os italianos, espanhóis, alemães! Com grandiosidade inédita, importávamos gente branca e européia para trabalhar. Foi a primeira vez que o Brasil pensou-se poder ser potência mundial, mas é curioso que contra essa gente de pele alva, fomos incapazes de criar apelidos e chacotas. Talvez pela semelhança deles com a imagem branca de olho azul do cristo dependurado na cruz, talvez porque já tivéssemos aprendido naquela época que feio é não ser da Europa.

Ficamos então com uma sociedade que parecia as capitanias hereditárias: por herança ficavam os brancos invasores, donos de fábricas e terras, com o melhor naco da riqueza, em seguida, também com sangue europeu, os brancos importados, trabalhadores assalariados nas grandes cidades. No meio do caminho, a gente parda com os empregos de serviçal. Lá no fim, os negros bem escuros, esses que se virem, sem emprego e a caminho da cadeia.

Eis que no nordeste do país achamos uma raça amarela de olhos azuis de holandês, estatura de bugre, pele de negro e de sabe deus mais o quê. O nordestino, a baianada, os cabeça chata, os paraíba, vieram para agregar-se na pirâmide social brasileira. Ficando em algum lugar acima dos negros e abaixo dos brancos europeus, mas com destaque no vocabulário jocoso do sudeste. A verdade é que até hoje, resumimos toda essa gente ignorante com o nome de um estado só. A baianada!

No Brasil, cresci aprendendo que os negros são vagabundos, os nordestinos ignorantes, os índios coitadinhos e os santos todos europeus. O mais curioso é que na história racial do Brasil não aparece a mais óbvia das nacionalidades: o brasileiro é sujeito oculto ou não existe. Esse país foi parido pela invasão de um povo que não está mais aqui e que nos ensinou o mal hábito de criar preconceitos para facilitar a dominação.

Aprendemos que a culpa é do pretinho, porque é vagabundo e ladrão, do nordestino porque é ignorante e sujo. Mas nunca olhamos com ódio para a burguesia branca na televisão. É muito mais fácil e habitual encontrar um inimigo entre nós.

Agora, o Brasil passa de novo pela estúpida febre de ser um entre os grandes do mundo. Cada vez mais nos parecemos com o país de George Bush, compramos carros, roupas, garrafas de água e eletrônicos como se não houvesse amanhã. Importamos novas nacionalidades: bolivianos, coreanos, árabes e para eles, importamos dos EUA, novos preconceitos. Até os negros e nordestinos tem a quem achincalhar agora. Sorte dos donos brancos do país, que continuam ilustres e impávidos no brasão nacional.

O que me assusta é que em um país sem nacionalidade, onde somos todos invasores ou invadidos, possamos acreditar na ideia ridícula de fronteiras nacionais, ou de defesa dos empregos "para brasileiros". Me dói na boca do estômago um amigo negro odiando os bolivianos ou um amigo nordestino odiando os negros. É triste que as aulas de história européia não sirvam para nos ensinar como começa o caminho do nazi-fascismo e que já estejamos nos adiantando nele.

Quem aqui nesta terra pode se dizer brasileiro? Talvez, e acho que nem assim, um índio descendente das primeiras tribos, de sangue puro pudesse reclamar o direito de preservar os empregos do país para seu povo e nós teríamos todos que voltar, para a Europa, a África, o Oriente e a Ásia, onde não seríamos mais aceitos. Para eles, somos agora brasileiros, um povo de prostitutas e bandidos, que vai estar invadindo e roubando empregos deles. E um viva ao Bolsonaro!

Nenhum comentário: