14.7.14

A fome

Trocaram olhares entre grades.

Cada um em sua jaula espiava o olhar do outro em busca de, sem saber, um plano de fuga.

Por um tempo não ousaram falar mas, com os dias passando e a rotina da prisão se assentando nos corpos, foram se aproximando. Dormiam um pouco mais perto, comiam se entreolhando e, às vezes, se sorrindo, sempre com os traços negros tão simétricos das barras de ferro poluindo a visão.

Depois, viviam beirando a grade que separava os dois espaços cúbicos. Mesmo de costas, olhando ou fingindo olhar qualquer coisa na parede de lá, sentiam a presença do outro como a de um gêmeo que se esconde em útero alheio.

E foi num dia sem nada de especial, sem planejamento nem maldade, que se tocaram pelo espaço entre as barras.

Sem saber ao certo como a coisa começou, rápido se abraçavam entre os metais. Um agarre desengonçado e preso que proporcionava um encaixe há muito ansiado. No desconforto da cadeia gelada ficaram vermelhos. Mãos corriam pelas costas, pela pele que suava já e olhos nos olhos tão perto que se olhavam com medo de serem engolidos. Línguas nos dedos e na palma da mão, bocas nos ombros, nos rostos; o encaixe dos quadris e das cinturas e o beijo molhado e suculento de línguas famintas que se acabava na grade e com gosto de ferrugem antes mesmo de começar.


Ficaram assim por horas, com a grelha de ferro aprisionada entre um abraço de tesão puro. Choraram juntos sem se soltar. Trovejaram hipócritas contra a prisão que lhes impedia de amar – sem querer notar que não havia cárcere nem carcereiro: a chave estava bem ali, uma metade escondida em cada uma das bocas que se recusavam a juntar.

Nenhum comentário: