10.2.11

SP filha da puta

Tá errando quem pensa que a avenida paulista é a cidade. Aquele mar de arranha-céus é só uma paisagem ao sul para quem mora onde eu moro.

É aqui que é São Paulo.


Com poucos ônibus, cheios de gente, cheios do suor matutino das putas que vendem o corpo sempre no mesmo lugar. Gente forçada a se dar a quem pague mais e melhor.

A cidade de verdade é cheia de morros. Sempre tem perto um barreiro, uma represa, um matagal, uma favela, uma boca de fumo e muitos bares. Bares em cada esquina. Meio padarias, meio restaurantes e inteiros centros culturais do brega e da pinga. Da honestidade parcial conquistada a duras doses de cana. Dos verdadeiros abraços de quem precisa muito de atenção.

São Paulo das putas putas, que atendem em casas sem placas e cheias de números. Do 175, do 643, do 128... lá onde vão meus amigos depois de se vender, para comprar amor de mentira e uma ilusão pra pele.

E depois essas putas - putas como nós mas que assumem a condição - voltam pras suas casas e seus filhos e suas famílias e suas novelas. Voltam pra seus estudos em faculdades que prostituem nosso dinheiro. Quase tantas faculdades como bares e puteiros. Onde se ensina de qualquer jeito para se formar prostitutas baratas diplomadas na arte de ser quase classe média.

Nós, filhos da cidade puta, somos sós. Porque quase não somos alguém, tão anulados pela rotina degradante de prostituir-nos com um sorriso no rosto, convencendo o patrão de que ele nos faz gozar.

São Paulo não é nossa cidade. É uma filha rebelde que nós construímos, tijolo por tijolo, página por página e dia a dia de suor cansado. Uma filha que também virou puta e se dá pra quem paga mais: os engravatados daquela paisagem ao sul. A cidade agora é deles. Essa filha das putas.

As sextas e sábados, nós nos encontramos. Nos morros, nos bares ou nas calçadas das casas. Nos abraçamos, falamos da vida que se leva e olhamos nossa filha, brilhando mais que o céu, se oferecendo a quem tudo nos tira.

De longe e secretamente nos orgulhamos dela e, mais secretamente ainda, almejamos o dia em que será nossa outra vez. Uma
 irmandade de putas com seus abraços verdadeiros e sorrisos pra dentro, trabalhando pelo dia de largar a profissão e aproveitar a vida, com a família, com a nossa filha, São Paulo.

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